TUDO QUE NÃO QUERIA DIZER.

Mamãe já não me mama
com seus dentes
E suas unhas de acetona
Papai me olha de lado
Usando uma loção pós-barba
Quantos cheiros à vida têm?

Eu fiz todos os deveres de casa
e caminhei feito um horizonte
Sobre a manhã
Por que
quis cortar os meus pulsos
e não minha língua
Quis fazer um arco-íris
no meu quarto
e só consegui o silêncio
das sirenes vermelhas
Por favor me levem para
morrer no hospício
Queria rever o seu Cid
e queria ver todos aqui felizes
vendo as moscas avançando
Os meus pedaços ainda tenros
ou o que existe além deste
filho da acetona
do álcool
da cola de sapateiro

Durante muito tempo não agüentei
nem a cor da cola de sapateiro
E quando o Guga entrava na quadra cor de telha
eu mudava de canal
Mas o cheiro pavoroso da morte também inebria
como eu queria agora beber
um gole de cerveja
e jogar meu carro num banco da Duvivier
Eu queria chorar de morrer
Eu sei que vou partir
E um homem, porra, ia falar
que um homem é saber morrer
Mas o Homem é o oposto
Um homem é não saber morrer
É beber do álcool do lança-perfume
É virar as drogas que querem lhe drogar
É ser o seu próprio sangue
É porra nenhuma
É uma fatalidade de lugares-comuns
e eu não escrevi nada de novo em minha vida
Sequer soube morrer
Durante três dias me deitei em mim
Era um chafariz
Defequei pelo meu quarto
E fiquei com pena de minha mãe
E suas belas mãos de acetona
Fiquei com pena de meu pai
e amei a todos aqueles que me proporcionaram esta experiência
porque dar um tiro na testa é como ejacular sem sêmen
e como vencer sem sangrar
e sem sofrer
e ter vindo à vida e não ter visto que existe anus para defecar
o pênis para gozar

*Esse poema foi escrito faz muito tempo, mas as coisas não passam. Voltei a sentir cheiro de tudo e principalmente o cheiro da morte.

Thursday, January 17, 2008

4 Comments:

gustavo said...

A morte, pra mim, é tão poética e tão inexprimível que senti falta de mais metáforas, hipérboles, tal, tal. As figuras que existem, Rodrigo, estão muito bem colocadas. "Deitei em mim", "mãos de acetona", etc. criaram imagens peculiares. Acho que quanto mais imagens, mais identificação.
A linguagem flui facilmente, apesar do tema complexo. A sua fluência é admirável. É o que me faz te visitar todo dia.
.
Você escreve bem. Parabéns. =)

Anonymous said...

as coisas não passam porque elas são.

ainda que dentro as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais depositem peixes mortos pelas margens de você e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas e nas folhas das rosas que devem estar perdendo as folhas nesse exato momento, e ainda que você seja sacudido por tudo que te acontece e sinta o cheiro podre das águas e seus pés se sujem na lama e seus olhos não enxerguem mais a carcaça entreaberta da nossa existência tão delicada, ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei as folhas e afastarei a carcaça prá te dizer: o que escreve me comove e devemos sobreviver.

Estive doente
Doente dos olhos, doente da boca, dos nervos até.
Dos olhos que viram mulheres formosas
Da boca que disse poemas em brasa
Dos nervos manchados de fumo e café.
Estive doente
Estou em repouso, não posso escrever.
Eu quero um punhado de estrelas maduras
Eu quero a doçura do verbo viver.

beijo Rodrigo!

Anonymous said...

que é isso camarada?
tá de ovo virado?
não pense besteira e se pensa conversa comigo, amigo é pra essas coisas, falar de mulher, falar do saco que está cheio, encher o saco, receber e dar abraços,
Rodrigo uma abraço do irmão, amigo, companheiro

Kyoshi said...

Bonito...bem 'realista'. Não possui altos e baixos. Só a descrição de algo que já passou e um dia virá novamente....a morte

 
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