O Hermafrodita

Eu tenho 40 anos e nunca transei na vida. Nem com homem e nem com mulher. Mas posso dizer que sou heterossexual, já que o meu desejo é todo por mulheres. Sendo mais drástico ainda, posso afirmar que jamais beijei uma mulher. Digo de antemão que se masturbar é uma arte. Conviver com o próprio pênis é uma arte. Não sou padre, não estou preso, não é o fim do mundo, o mundo não acabou e sou o único sobrevivente. Não tenho medo de sexo, não tenho medo de broxar, não tenho pênis pequeno; apenas me dedico à arte de me masturbar. Tudo começou bem jovem, quando aos 11 anos, fiquei horrorizado ao ver um amigo se bolinando, mas, dias depois, num ônibus, quando uma mulher se sentou ao meu lado e roçou minhas coxas nas dela, pude sentir meu membro rígido. Cheguei em casa excitado e fui diretamente para o banheiro onde bati minha primeira punheta. Foi algo como o descobrimento de que podia voar. Nunca mais larguei o vício solitário. Jamais procurei uma psicóloga, muito fui a uma sessão... A mulher era bonita... Bati uma punheta na frente dela. Ela foi categórica dizendo que meu único problema era a falta de respeito. Nunca mais quis me ver, mas é, ainda hoje, alvo de minha mão e minha imaginação sexual. Ao meu pai foi dito que não tinha problema e era coisa da idade. O velho me levou para a zona. Lá me masturbei vendo as putas rebolando. Não senti vontade de beijar, acariciar ou outra coisa que não a masturbatória. Meu pai achou anormal, mas foi levando. Garoto novo. Eu tinha só 11 anos. O Vício é difícil de se largar. Uma vez cheguei a me masturbar 12 vezes num só dia. Considerava-me um super-homem até saber que Daniel, um amigo judeu, alardeava para todos que batera 25 punhetas num só dia. Daniel passou a ser o meu paradigma. Era o recorde a ser batido. Num dia de férias, dia 11 de fevereiro, consegui a façanha de me masturbar 28 vezes num só dia, quebrando o recorde de Daniel. A partir daí passei a privilegiar a qualidade e não mais a quantidade. No começo comprava revistinhas de sacanagem e me deleitava até as páginas ficarem coladas e impossíveis de serem manuseadas. Minhas punhetas eram sensórias, eu olhava as mulheres e corria para o banheiro para praticar o mais solitário dos vícios. Sempre estudei em colégio de padre e o padre Alceu era um chato que ficava policiando a masturbação alheia até ir dormir. Mas a madrugada era sempre uma criança e sempre havia um tempinho para deixar o líquido branco aquecer minhas mãos calejadas. Certa vez eu fui pego no ato e o padre me disse que iria ficar com a mão peluda e com o peito de mulher. Mas nada, nada me desviaria de meu destino de punheteiro. Pensava em louras, morenas, africanas, ruivas. Qualquer mulher era alvo de meu desejo. Eu era infiel na minha masturbatória. Sou um artista. Mas sou pudico e atento à moral e aos bons costumes. Nunca gostei de ver revista de sacanagem total – aquelas em que aparecem os membros dos homens. O único pênis que gosto é o meu, apesar de ele não ser o maior do mundo é o melhor. Tem um bom tamanho e um tratamento vip. Gostava de minhas colegas de turma também. Aquelas que não dormiam no internato. Havia uma Claudia que chegava com a saia nos pés e, no decorrer do dia, ela ia dobrando a saia até quase aparecer a calcinha. Ia para o banheiro e olhava Claudia pela fechadura e descascava ali mesmo a minha banana. Neste tempo me masturbava balançando o pênis lateralmente. Que prazer lembrar! A bunda passou a ser o alvo da minha perdição. Gostava daquelas bundas formatos pêra. Na feira eu mal podia passar por uma banca com pêras que eu ficava excitado. Mas nunca comi uma pêra. Até aí tinha meus quinze anos e papai me achava normal, mas começava a desconfiar de minhas atitudes em prol de um certo isolamento. O que é normal na sexualidade? A gente que estupra e faz horrores. Eu gosto de me masturbar. Todo o dia acordava de pênis ereto e todo dia era dia de índia. Havia coelhinhas da Playboy espalhadas pela parede do quarto. Os padres diziam que no céu não tinha essas coisas, mas, quem nunca punhetou que atire a primeira pedra. Nunca levei maça para professora nunca, eu levava pêra para as que tinham bunda pêra. Subitamente eu pedia para ir ao banheiro, depois de ter visto a abundância da professora, e espancava o macaco. Sempre foi assim. Aos 15 anos cheguei na fase das calças apertadas, não podia ver uma mulher numa calça atochada, num jeans atochado, numa malha de ginástica. Minha idola punhetal da época era a Erin Gray, do filme Buck Rogers. Ela usava uma malha apertada azul cintilante que me dava um tesão de babar. Não perdia um dia da série. E eu aumentava o ritmo e diminuía, segurava o prazer e soltava, o duro era manter o pênis duro numa hora em que a Erin Gray aparecia. Ejaculava na tela da TV. Êxtase. Orgasmo. Punheta total. Total. Tinha sonhos com meu falo cada vez maior. Uma fez pensei que ele podia ser o pé de feijão e me levar para o reino da masturbação visual. Numa piscina bati uma punheta dentro, dágua certa vez, o visual da mulher nem era tão bom, mas não tinha ninguém vendo e ela estava de bunda para o alto num biquíni pequenino e descasquei, mesmo amando as calças apertadas... Sonhava com meu falo. Falava do meu falo comigo mesmo. Meu pênis era coisa mais importante da minha vida. Não queria que ninguém o manejasse, que ninguém me tocasse. Nem mulher poderia me fazer feliz, só o meu caralho, só ele. Nada de Deusas. Nada de mulher. Sou dono dele e não solto e não ponho apelido. Apelido é mulher quem coloca. Ele faz tanto parte de mim que se chama o que eu me chamo e é o que eu sou. Não vou botar apelido nem para melhorar o texto e tirar os nomes caralho, pênis, falo etc e tal. Não vou fazer isso. Não quero ganhar o Nobel com um texto como esse. Apesar dele ser maravilhoso e falar de meu pênis sei que ninguém fala do assunto. Não existe tanta coragem assim na humanidade. A humanidade não é um espelho plano e eu nunca me masturbei olhando no espelho. Gosto de mulher. De mulheres que possam me dar prazer através da arte da masturbatória,, sem tocar em mim. Com 17 anos passei a bater punheta de cima para baixo. Era mais gostoso e demandava menos esforço físico. Por esta época chegou o vídeo cassete em casa. Meu pai comprou um para mim e me presenteou num aniversário dizendo que aquilo era para eu ver os grandes clássicos do cinema. Deu-me uma fitoteca em preto e branco. As mulheres eram lindas, mas não dava para ver as calças apertadas devido ao contraste da televisão. Mas o vídeo serviu para aprimorar a minha arte. Serviu para eu gravar a Erin Gray. A princípio tive uma fidelidade total à Erin mas depois estava gravando de tudo que me excitava nas mulheres: calças apertadas. Também neste momento passei a freqüentar “punhetalmente” outras partes do corpo feminino e outros tipos de roupa foram me fascinando. Em dias da discoteca do Chacrinha, Sarita Catatau me colocava nas alturas. Rita Cadilac também e Idem para Dalva e companhia. Broxei o dia que soube que a Índia Amazonense era um travesti. Chorei pacas. Senti-me traído pelo desejo. 99% do meu tempo livre passava me masturbando ou pensando em como gravar ou em formas novas de chegar ao prazer via a arte da masturbatória. Meu pai me chamou para uma conversa e me perguntou o por quê não tinha amigos e nem namorada. Dizia pelo menos você não é gay. Felicidade é algo mental. Eu sou feliz. Nenhuma mulher vai acabar com o meu relacionamento comigo mesmo. Comecei a malhar, mas fui expulso da academia, pois ficava muito tempo no banheiro. Fui expulso da aula de canto. Fui expulso do supermercado. Fui expulso do escotismo. Fui expulso do colégio. Nunca pensei em cortar os pulsos. O pulso é parte da mão, a coisa que vem em segundo lugar, mas é importante para a minha manifestação artística. Entrei na Universidade e a mulherada começava a dar em cima de mim. Eu Levava algumas para casa só para papai pensar que eu estava namorando. Comprei uma máquina fotográfica e fiz um álbum da cabelada. Só tinha boceta. Era uma maravilha. As mulheres se deixavam fotografar até eu ganhar um processo no sindicato por não ser fotógrafo profissional. Passeia usar uma luneta para vasculhar a vida alheia. Era pau na mão e luneta no olho. Maravilha. Mas o mundo me condena e ninguém tem pena. Ganhei um murro do vizinho quando ele me viu espancando o macaco através de uma outra luneta, esta em sua casa. Tudo bem. O vídeo foi feito pra quê? Os amantes da masturbatória devem pensar que só falo em mim e nas minhas experiências. Só me importo comigo, com o que falo e com o meu falo. Nunca roubei nada. Nunca cometi nenhum crime. Não matei e não feri mandamento. Sou um punheteiro. Formei-me. Fui demitido de vários empregos. Meu pai colocou uma micro-câmera no meu quarto e ficou observando-me por um mês. Revoltado com o que viu, no dia do meu aniversário de quarenta anos, ele me internou num sanatório. Estou sendo tratado numa cama onde minhas mãos estão amarradas e não posso me masturbar. Não é a mesma coisa pensar em mulher e gozar com a força da mente. Quero sentir o meu pênis sendo tocado por mim mesmo. Num falo. Num como. Num gozo. Num nada. Só queria sentir mais uma vez aquele líquido branco e quente inundando a minha mão e me fazendo tremer sem ser eletro-choque.
[Publicado na revista Oroboro número 5]

Friday, May 26, 2006






TENTANDO MELHORAR

Rasguei meu pulso com a tesoura.
Certa vez, quase implodi
E meu coração acelerou tanto
Que eu estava parado
A duzentos por hora.

Por ora estou acordado
E olho as luzes no teto:
São os carros em que ontem
Me joguei pela terceira vez
E hoje, não, nem, nunca

Agora usam um bisturi
Para costurar quem fui.
Isso se voltar um dia
A ser quem era
Eu, que nunca fui nada,

Mesmo.

Sunday, May 21, 2006


SOLUÇÕES SOBRE SOLUÇOS BREVES

1

ganhar a forma de esboço
pessoas

mortas

sobre a mesa
pára
e pousa
alguma ficção em

quem sabe eu fico cego também?


2

redoma de vidro alguém
andando dentro de mim
uma lapide belisca o ventre
ou o que poderá ser ou não

a busca pela bússola
opúsculo aberto
músculo que fere
o que procuro em mim

deserto
a dentro
passeia o maratonista
pra completar este dia

que desgraças maiores ainda estejam por vir

meu sangue frio se esquenta
e aguardo que meu prepúcio fale
com
o
eu falo

quem sabe meu pau se vê duro?

3

assim o poema foi feito
pra gravitar alguma questão
ou só perguntar ao porto
por que existe vida inteligente em nós

os barcos ébrios sempre voltam
na taquicardia do estetoscópio
enquanto
as crianças dormem

em limusines brancas

astros cheiram coca
e eu aqui sem poder tomar café

e agora Rodrigo?

pare de olhar seu próprio umbigo

Tuesday, May 16, 2006

 
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