As pelúcias de Rodrigo de Souza Leão.
"Abro 'Todos os cachorros são azuis' e, com ele, as portas para um mundo imagético bem elaborado, onde a fantasia se mescla à realidade em planos superpostos e estranhamente lúcidos.
O narrador, com a clarividência que lhe é possível através de suas lentes e filtros peculiares, é internado numa clínica para doentes mentais e mostra, com seu enfoque único, as belezas e tragédias da loucura.
Rodrigo não é o primeiro, nem será o último, escritor que porta uma doença mental. Antes, talvez tal condição apenas não fosse diagnosticada, de modo que tais autores podiam, livremente, criar e expor obras de rara excelência. No entanto, o reconhecimento público dessa condição e a aceitação do trabalho de Rodrigo é um passo firme na direção da superação da segregação e dos preconceitos, tanto pelas editoras como pelo público leitor.
As alternâncias de seus estados de percepção se assemelham a Dr. Jekyll e Mr. Hyde, pois a lucidez acompanha as bolinhas coloridas e, de alguma forma, o narrador sente uma certa melancolia ao tomá-las e ser obrigado, assim, a sair de seu ambiente lúdico para as limitações tediosas da razão.
Ler "Todos os cachorros são azuis" é resgatar uma infância proibida aos adultos, redescobrir a fluência de uma imaginação prodigiosa e rica, um humor essencial há tanto perdido e, ao mesmo tempo, constatar as atrocidades que são feitas em nome de uma suposta 'normalidade' padronizante do comportamento social esperado.
Poetas, artistas, loucos e crianças. No mundo da razão, no mundo da assepsia cultural imposta no século XX, tradicionalmente foram postos a par da racionalidade aceitável, pela exacerbação de sua sensibilidade em desconformidade com o padrão vigente. Nem sequer os auto-denominados movimentos vanguardistas foram capaz de romper as barreiras discriminatórias contra eles.
No século XXI, talvez sejam eles os responsáveis por uma mudança de paradigma, de linguagem, onde o sentimento não é mais contraposto à razão, mas sim sua complementação natural e imprescindível. Aceitando nossa humanidade primordial, com seus tantos defeitos, é Rodrigo quem nos ensina a criar uma nova religião, resgata um novo ideário fundante, nos ensina a ser um pouco mais poetas e artistas, um pouco mais loucos e crianças."
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