CATACLISMO EM BURACO NEGRO
O choque inicial provocado pela poesia de Rodrigo de Souza Leão é o embate entre o título, que sugere convulsões tremendas, e o tom quase intimista dos poemas. Basta ir ao dicionário para saber que “cataclismo” significa “grande inundação, revolta” ou ainda “convulsão social, grande desastre, derrocada”. Assim, o leitor começa sendo puxado para dentro de revoluções, sociais ou telúricas, pronto para se deparar com um Castro Alves aos berros, um Rimbaud se descabelando ou um Ginsberg clamando no deserto. Isso para ficar na poesia escrita e não procurar sarna pra coçar no mundo da música, que Rodrigo também freqüenta, onde o espetáculo exige convulsões tremendas, e quando mais tremendas, melhor.
Mas cataclismo, no caso, é outra coisa. Trata-se na verdade de uma convulsão tremenda, mas inteiramente silenciosa, instalada na cabeça do poeta, ou daquele que finge por ele, do poeta que se revela torturado. E cataclismo se torna tortura mental, a angustiante prova dos nove a que se submete o poeta em seus desvarios, obsessões, angústias.
Se cada louco é um universo fechado, podemos comparar o cérebro de um louco com o universo infinitamente maior das galáxias e buracos negros, mas não menos redundante, caótico, gratuitamente destrutivo. O pânico espreita, a morte bate à porta, as dentaduras sorriem cúmplices, o medo é uma constante. Serve de parâmetro este curtíssimo poema dedicado ao grande pintor inglês, que enxergava tempestade onde outros viam serenidade:
DENTADURA NO COPO
A Francis Bacon
Há uma escultura dentro do copo
Sorrindo pra mim
É um cataclismo intimista, freqüentemente em tom menor, lembrando a auto-ironia de Manuel Bandeira ou a aparente simplicidade de Mário Quintana. Vale dizer bem depressa, para evitar mal-entendidos, que menor, no caso, se refere ao propósito explícito do poeta por manter o ritmo baixo, por não elevar a voz, não se queixar aos gritos. Há quem prefira ser mais cantor que ator, mais Lennon que Dylan, mais Chico que Gil, para ficar entre meus contemporâneos e não ir buscar lã em berçário ou creche.
OS PSIQUIATRAS
No fundo são boas pessoas
Mas é preciso conhecê-los a fundo
Para fundá-los como amigos
Eu já tive um amigo assim
Ele conversava muito comigo
E eu gastava muito mais com cerveja
Do que dizer lá deitado no divã
Que sou uma mistura
De prozac com lexotan
É quando entram em cena os anti-heróis de Rodrigo: psiquiatras, prozac, lexotan e o resto da turma, com sua carga de terrores que todo bom maluco conhece de sobra. Enfim, essa é uma poesia do beco sem saída, da circularidade, do tentar enxergar através das brumas do invisível. Mas sempre, e olhando de banda, a morte espreita. Surpreende como Rodrigo, ao usar uma linguagem tão intimista, de palavras simples e claras, revele a profundidade da angústia que bate à porta dos cérebros em convulsão, e transforme essa simplicidade – agora sim – num cataclismo que dói fundo, e tão mais fundo quanto aparentemente mais leve.
Sebastião Nunes
Ex-poeta e eterno candidato a doido
O choque inicial provocado pela poesia de Rodrigo de Souza Leão é o embate entre o título, que sugere convulsões tremendas, e o tom quase intimista dos poemas. Basta ir ao dicionário para saber que “cataclismo” significa “grande inundação, revolta” ou ainda “convulsão social, grande desastre, derrocada”. Assim, o leitor começa sendo puxado para dentro de revoluções, sociais ou telúricas, pronto para se deparar com um Castro Alves aos berros, um Rimbaud se descabelando ou um Ginsberg clamando no deserto. Isso para ficar na poesia escrita e não procurar sarna pra coçar no mundo da música, que Rodrigo também freqüenta, onde o espetáculo exige convulsões tremendas, e quando mais tremendas, melhor.
Mas cataclismo, no caso, é outra coisa. Trata-se na verdade de uma convulsão tremenda, mas inteiramente silenciosa, instalada na cabeça do poeta, ou daquele que finge por ele, do poeta que se revela torturado. E cataclismo se torna tortura mental, a angustiante prova dos nove a que se submete o poeta em seus desvarios, obsessões, angústias.
Se cada louco é um universo fechado, podemos comparar o cérebro de um louco com o universo infinitamente maior das galáxias e buracos negros, mas não menos redundante, caótico, gratuitamente destrutivo. O pânico espreita, a morte bate à porta, as dentaduras sorriem cúmplices, o medo é uma constante. Serve de parâmetro este curtíssimo poema dedicado ao grande pintor inglês, que enxergava tempestade onde outros viam serenidade:
DENTADURA NO COPO
A Francis Bacon
Há uma escultura dentro do copo
Sorrindo pra mim
É um cataclismo intimista, freqüentemente em tom menor, lembrando a auto-ironia de Manuel Bandeira ou a aparente simplicidade de Mário Quintana. Vale dizer bem depressa, para evitar mal-entendidos, que menor, no caso, se refere ao propósito explícito do poeta por manter o ritmo baixo, por não elevar a voz, não se queixar aos gritos. Há quem prefira ser mais cantor que ator, mais Lennon que Dylan, mais Chico que Gil, para ficar entre meus contemporâneos e não ir buscar lã em berçário ou creche.
OS PSIQUIATRAS
No fundo são boas pessoas
Mas é preciso conhecê-los a fundo
Para fundá-los como amigos
Eu já tive um amigo assim
Ele conversava muito comigo
E eu gastava muito mais com cerveja
Do que dizer lá deitado no divã
Que sou uma mistura
De prozac com lexotan
É quando entram em cena os anti-heróis de Rodrigo: psiquiatras, prozac, lexotan e o resto da turma, com sua carga de terrores que todo bom maluco conhece de sobra. Enfim, essa é uma poesia do beco sem saída, da circularidade, do tentar enxergar através das brumas do invisível. Mas sempre, e olhando de banda, a morte espreita. Surpreende como Rodrigo, ao usar uma linguagem tão intimista, de palavras simples e claras, revele a profundidade da angústia que bate à porta dos cérebros em convulsão, e transforme essa simplicidade – agora sim – num cataclismo que dói fundo, e tão mais fundo quanto aparentemente mais leve.
Sebastião Nunes
Ex-poeta e eterno candidato a doido
0 Comments:
Post a Comment