Virei homossexual aos 65 anos de idade. Depois de uma selvagem vida heterossexual, onde posso ter feito muita coisa, mas não tudo. Abandonei-a para tornar-me o tudo que me faltava. Parafraseando a canção de Gilberto Gil, eu percebi que a porção mulher que até hoje em mim se resguardara era a minha melhor porção. Sai dando por aí. E olha teve gente que comeu e se lambuzou. Horácio, o bom de cama, me comeu já três vezes e garantiu que com o meu corpinho vou continuar nesta vida até meu cu criar bico. Certo dia desses, me envolvi com um aluno da Faculdade em que eu dou aula. Maior de idade. Coisa fina. Garoto requintado. Eu só ainda não consigo beijar na boca de homens. Eu tenho náuseas. Só beijo na boca de minha mulher. Sou um homem casado e tenho filhos e netos. Mas desde que virei a folha, o mundo parece mais iluminado. O mundo tem a cor do amor livre. Ainda bem que pude viver em minha vida o amor livre. Ainda bem que pude sentir que tudo era muito mais do que um homem e uma mulher e uma noite. Podia ser um homem e outro homem e noites. Foi assim com o Guilherme. Passamos noites e noites tirando suor de nossos corpos. Ele tinha um membro muito avantajado que começou a me doer o ânus. Tive que romper com Guilherme porque eu ia acabar mal na história. Já estava ficando com feridas em volta do cu. Tenho que confidenciar uma coisa a vocês: desde que fiz 65 anos, sempre fui o passivo e perdi o gosto e a felicidade de uma ejaculação. Minha mulher não reparava em nada, apesar de eu vir fazendo a coisa com cada vez maior freqüência. Procurava garotos de programa e gastava uma fortuna. Foi quando um desses rapazes me falou:
- Você não é podre. Por que procura este mundo?
- Só tem gente podre neste mundo?
- No da prostituição só. O senhor é casado. Tem filhos. Só porque é broxa ou broxou resolveu dar o cu. Tem remédio. Tem implante. O senhor num gosta nem de beijar na boca.
- Beijo na boca é para quem a gente ama.
- O Senhor ama a sua mulher?
- Amo.
- Quando o senhor vai amar a outro homem?
Amar outro homem. Eu não percebia que o que o rapaz estava querendo me dizer era que eu não pertencia aquele mundo dos gays. Eu era um falso gay.
- O que fazer então para ser um gay verdadeiro?
- Tem que começar freqüentando. O peso da noite não é para qualquer um. O senhor já é um homem idoso. Volte para sua mulher. Diga pra ela te comer de consolo. Tudo se resolve. E você não vai precisar fazer nada.
Eu entendia que era necessário que eu mudasse para que a minha nova vida viesse à tona. Fiz o cabelo e fiz a mão. Fiz tudo. Rompi com família e virei mulher. Só não podia trabalhar como garoto de programa porque não tinha mais pau duro. Era uma flacidez. Comecei a soltar a franga. Sai do armário A freqüentar os becos. Tudo em busca de um amor. Mas as pessoas só queriam sacanagem comigo. Eram homens com suas mulheres. Vários homens. Não encontrei na vida homossexual o meu verdadeiro amor.
Até que num dia vestido de homenzinho - em plena luz do dia – meus olhos se abriram para uma mulher. Afinal eu era homem no meu desejo e só podia me apaixonar por mulheres: assim entendi.
- Mas a Lúcia é um puta de um sapatão.
- Gamei nela.
- Me apresenta ela. O mínimo que pode acontecer era o nada.
Mas eu acreditava no tudo. Fora paixão a primeira vista. Fui apresentado a Lúcia e senti que ela ficou balançada comigo. Passamos a sair juntas. Tornamos amigas e confidentes. O importante era que não competíamos. Ela era o tipo macho e eu fazia o travesti bem afeminado. Duas amigas velhas de guerra. Lucia tornou-se muito grata a mim porque a aliviei de certos perrenhos monetários. Eu tinha uma aposentadoria farta de funcionário de estatal.
- Se você fosse mulher eu tirava uma com você.
- Eu sou mulher.
- Mas tem um quinze centímetros entre as coxas.
Aquilo foi me incomodando, pois cada vez mais eu me sentia apaixonada ou apaixonado: eu já não sabia mais o que era.
O certo é que nós saíamos para balada juntas e nunca terminávamos no zero a zero. Ela com a sapatinha dela. E eu com o meu homem. Num dia onde ambas ficamos no zero a zero ela me deu um selinho e disse um poema:

A
Boca
Que
Ousa
Na
Boca
Que
Usa

Eu a segurei forte nos meus braços e tasquei-lhe um beijo de língua. Foi à boca mais perfeita que a minha já beijou. Eu havia encontrado o meu amor.
No dia seguinte abandonei minha esposa e embarquei para a Dinamarca para fazer a minha operação de troca de sexo. Hoje sou uma mulher feliz casada com uma mulher feliz. E é isso que importa. Estou beijando muuuuuuuuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiito.

Wednesday, August 29, 2007

4 Comments:

Anonymous said...

Você teve uma sacada muito legal!

Priscila Manhães said...

Rô! Muito bom!
Beijão.

Anonymous said...

Rodrigo
o escracho poetico é contigo, meurmão
iosif

Anonymous said...

Aprendi muito

 
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