QUINZE.

A fúria silenciosa do vento que bate na janela e prossegue o seu caminho de errância até levantar as pontas da minha camisola. O obstinado silêncio que eletrocuta o dia-a-dia. Eu vou quebrar ele. Eu vou quebrar ela. E nos encontramos nas curvas da estação do metrô. Todos quebrados e nos quebrando mais ainda. Eu não sei mais andar. Você quer fazer sexo com uma paralítica. Eu vou te quebrar inteirinha. Vou arrancar seus testículos. Soprarei seu horizonte para longe de mim. Empurrarei você abismo acima. Puxarei pelos pêlos do púbis. Pelos seus cabelos. Quebrarei uma a uma as suas falangetas. Depois te darei um beijo. Depois vamos para as férias. Eu não entendo você. Que não é meu. Bebo, babo, bebo. Sou uma mulher que bebe em casa, mais que socialmente e menos que uma alcoólatra. Sou uma prostituta de luxo. Ganho porrada de graça. E não sou masoquista. Quero te ferir um pouco. Tirar seus contornos de mim. Fazer um outro princípio final. Por que sou assim? Por que aceito levar estas chicotadas com palavras de choque? Caio dentro de mim tão em mim que de mim não saio. Estou paralisada agora, olhando a tevê. Nada me diz nada. A não ser aquela propaganda que vendia uma família cheia de filhos e todos saudáveis. Nós temos um e sou eu quem sustenta tudo. Eu que dou duro na rua. Eu que trago o leite das crianças. Com quantos abismos se faz uma canoa pra navegar o nosso caos? Eu não entendo você. Você me entende com esse punhal na mão e com esse soco inglês e com essa bandeira do Atlético e com este puçá e espinhos e baiacus boiando feito eu, toda inchada. Cheia de hematomas pelo corpo onde corre uma voltagem que te repele. Mas eu não sei mais viver. Não sei o que é viver. Parece que todo o meu prazer foi apagado feito HD de computador. Há muito tempo não tenho o antivírus contra você. Me dá um tempo antes que eu te mate agora mesmo e venha tirar de mim um pouco da minha dignidade. Vergonha na cara é o que eu não tenho. Sempre volto pra você. Sempre me pede mais uma chance. Sempre digo que sim. Sempre bebo mais um pouco e mais e mais. Depois vem isso. Fazemos sexo e tudo volta a ser como era nos nossos melhores dias. Fica assim uma semana e você pega o soco inglês e me ameaça com uma pistola taurus. E ninguém sabe que você me bate que você arranca o meu couro que você me trata assim. Você é cordial com todo mundo. Comigo, áspero, cheio de cacetetes nas mãos e aquela população inteira de seres violentos que você carrega. Não adianta eu tentar. Já tentei de tudo. Já procurei pai de santo, já fiz mandinga, já tirei você de outras e tem isso. Você tem outras e as outras têm você. Mas você só bate em mim. Por que sou eu quem te sustenta? Por que você é incapaz de realizar uma boa ação pra mim? No final disso tudo nunca tem final e a gente vai levando feito uma bola de neve. Crescendo e levando tudo. Eu preciso de um tempo que seja suficientemente grande pra eu me esquecer que você existe, pois você se esqueceu da sua antiga elegância e de como era amável e bacana. Você só joga o corpo em mim pra me dar porrada ou socar seu sexo dentro de mim. Depois me fura com o furador de gelo. Eu passei a máquina zero no cabelo. Eu vou mudar. A beleza é o que a mulher tem de mais importante pra você. E eu já estou velha e cansada e perdendo tudo, as esperanças indo bueiro abaixo. Qual arco-íris é o verdadeiro? O do chão posso tocar: estou na sarjeta. Você é sujo e cheira a perfume barato. Hoje estou com pena de você. Não sei como pude agüentar tanto tempo. Você me deu tapas na cara. Me quicou na parede e foi tomar uísque barato, fumando seu cigarro barato. Botou suas botinas e me deu um pontapé. E aquele filho que perdi por você ter me jogado de brincadeira, depois de um porre, numa piscina sem água? Flores e mais flores. Quero pétalas de rosa. Quero orquídeas e tudo isso pode ser ao mesmo tempo o que quero e o que não quero, porque não adianta vir mais com meu amor e com meu benzinho e com minha querida.
Eu vou te foder, menina. Vou tirar o seu filho de você. Num tenho nada em meu nome. Você num vai ficar com nada. Só vai ficar com as marcas no corpo dessa última surra que vou te dar. Você acha que é poderosa, mas num tem poder nenhum. Você é melancólica triste chata burra. Nem sabe quanto é três vezes cinco.
Quinze vezes ela atirou nele com duas pistolas diferentes. Quinze chutes deu no saco dele. Quinze estocadas com o quebra-gelo. Quinze marteladas na cabeça. Depois rezou quinze ave-marias, quinze pai-nossos e dormiu ao lado do corpo, esperando a polícia chegar.

Wednesday, December 26, 2007

2 Comments:

Anonymous said...

reencarnação ou imaginação?
Nelson Rodrigo delira
toda sacanagem será castigada!
Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
Nem porrada ou punhalads

Anonymous said...

meu deus Rodrigo.. isso foi a coisa mais linda que já li aqui!
"com quantos abismos se faz uma canoa pra navegar o nosso caos?"
Abismos? nem tão altos que não possamos crer, nem tão distantes que não possamos tocar.

 
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