Por Victor da Rosa
O olho que narra é azul e vê tudo a seu modo – na falta de nome, quase nada, água: todas as coisas azuis. Desaparece a distância que antes separava o olho e as coisas: azul. A voz assim desaparece nas coisas. O céu está morto.
Certa distorção cromática nomeia de início a primeira novela do escritor Rodrigo de Souza Leão: Todos os cachorros são azuis (7Letras, RJ, 78 páginas)– e talvez reflita de início a imagem que atravessa toda a narrativa: um cachorro azul, de pelúcia, objeto afetivo de infância, que retorna em vários momentos do livro, quase sempre como uma falta, mas se derrama também para a imaginação de um cenário deformado e delirante. “Eu não tinha culpa de ver a luz das coisas”, diz o narrador. Em linhas gerais: trata-se de um sujeito que narra sua experiência em um hospício – e, segundo as palavras de Sérgio Medeiros, que assina a orelha do livro, estamos diante de uma experiência autobiográfica.
Parece haver durante todo o livro uma variação narrativa entre o delírio mesmo e instantes de lucidez, se aceitamos esta dicotomia – e o comovente (ainda devemos pensar esta palavra em sua literalidade: como aquilo que move junto, arranca o leitor de seu lugar) é que isto não nos é representado, mimetizado por uma voz que acompanha todo o acontecimento em sua distância, e sim narrado pelo corpo mesmo no interior da experiência. Há um sujeito implicado em tudo. Desta maneira, a escrita abandona sua função de entendimento e passa a se constituir enquanto marca na página: cisão. Em outras palavras: a prosa de Rodrigo talvez não aconteça na continuidade, ou no retorno – características fundamentais da prosa - mas principalmente no corte.
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O CÉU ESTÁ MORTO.
Posted by Rodrigo de Souza Leão at 4:58 PM
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